segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Cassiano

No começo dos anos 70, uma trupe de cantores negros brasileiros que adoravam a música dos cantores negros americanos chacoalhou o show biz nacional.

Eles ostentavam enormes cabeleiras black power e recheavam suas letras de palavras como "beibé" ou "bróder", que roubavam do inglês e aportuguesavam. Por outro lado, nunca deixaram de incluir em suas composições elementos como uma boa cuíca ou uma levada de baião.

Desse cruzamento, nasceu uma soul music brasileira, de inegável qualidade. Em pouco tempo, porém, o gênero se viu espremido entre a MPB conservadora e a novidade do tropicalismo.

Alguns o hostilizaram. Outros o vampirizaram, sem que seus artistas recebessem o devido crédito. Quase trinta anos depois, o disco Coleção, lançado em 2000, é o principal testemunho do brilho da soul music nacional.

O disco Coleção e reune catorze criações do cantor e compositor Cassiano, maior expoente dessa tendência musical, ao lado de Tim Maia e da Banda Black Rio.

Cassiano, uma dos grandes nomes da soul brasileira. Grande cantor, instrumentista versátil e um compositor genial. Cassiano atingiu seu auge em meados dos anos 70, quando "A Lua e Eu" foi incluída na trilha sonora da novela "O Grito", da Rede Globo.

Na época, o programa Fantástico, da mesma emissora, dedicou-lhe um clipe, em que ele aparece como uma espécie de Marvin Gaye tropical, desfilando de terno branco na orla carioca.

Foi onde o Brasil aproximou-se de Marvin Gaye, Stevie Wonder, Isaac Hayes e Curtis Mayfield – da soul music de linhagem nobre, com sofisticação jazzística, alma de blues e a melhor pegada pop.

Para competir com esses gigantes nas ondas da AM nos anos 70, só mesmo o nosso Cassiano, que com seu toque de brasilidade (herança dos tempos do grupo vocal Diagonais, em que fazia Motown a partir de Ary Barroso, Herivelto Martins e Altamiro Carrilho), estabeleceu o paradigma para as gerações posteriores – de Carlos Dafé e Cláudio Zoli a Ed Motta e a turma toda da Trama.

Cassiano (Genival Cassiano dos Santos) nasceu em Campina Grande/PB em 16/9/1943. Aos seis anos, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde aprendeu as primeiras
noções de violão e bandolim com o pai.

Trabalhou como ajudante de pedreiro.

Iniciou a carreira em 1964, tocando violão no Bossa Trio, com seu irmão Camarão, Hyldon e Amaro, que daria origem ao grupo vocal Os Diagonais, com o qual gravou alguns compactos e o LP Cada um na sua (1971, RCA).

Influenciado tanto pela soul-music norte-americana de Otis Redding e Stevie Wonder como pelo samba-canção de Lupicínio Rodrigues, foi um dos precursores do gênero soul no Brasil, grupo com o qual viajou por cidades mineiras e baianas.

Em 1969, o grupo gravou pela Epic/CBS alguns compactos e um único LP "Cada um na sua", no ano de 1971, no qual o grupo incluiu "Não dá pra entender" e "Clarimunda", as duas de sua autoria.

Tornou-se conhecido em 1970, quando Tim Maia gravou suas composições Primavera (Vai chuva) e Eu amo você (ambas com Sílvio Rochael) em seu primeiro LP, que teve participação de Cassiano na guitarra.

Ao lado de Tim Maia, Carlos Dafé, Banda Black Rio, Gérson King Combo e Hyldon, foi um dos precursores da soul music no Brasil.

Influenciado tanto pela música negra norte-americana, particularmente Stevie Wonder e Ottis Redding, quanto por Lupicínio Rodrigues. Devido ao comportamento controverso, assim como o do amigo Tim Maia, ambos se auto-intitulavam músicos doidões.

Tocou ao longo da década de 1960 na noite do Rio e de São Paulo. Só viria a se tornar conhecido em 1970, quando participou como guitarrista no primeiro disco de Tim Maia, que gravou duas composições suas em parceria com Sílvio Rochael "Eu amo você" e "Primavera", que logo se tornaram sucessos naquele ano.

Em 1971, lançou pela RCA Victor seu primeiro LP solo "Imagem e som". Neste LP, interpretou "Ela mandou esperar" e "Tenho dito", ambas em parceria com Tim Maia, e ainda "Primavera" (c/ Silvio Rochael) e "Uma lágrima".

No ano de 1973, pela gravadora Odeon, lançou "Apresentamos o nosso Cassiano", disco no qual interpretou dez composições de sua autoria, entre elas "Cedo ou tarde" (c/ Suzana), "Me chame atenção" (c/ Renato Britto) e "Castiçal".

Como cantor e intérprete, fez sucesso em 1976 com "A lua e eu" (c/ Paulo Zdanowski), tema da novela "O grito", da Rede Globo, gravada no LP "Cuban soul".

No ano seguinte, obteve novamente notoriedade com a música "Coleção" (c/ Paulo Zdanowski), incluída na trilha sonora da novela "Loco-motivas", também da Globo.

No ano de 1978, logo depois de ser dispensado de sua última gravadora, a PolyGram, em 1979, o compositor contraiu tuberculose e perdeu parte do pulmão, tendo que retirar um pulmão, foi obrigado a abandonar a carreira de intérprete, porém prosseguiu compondo.

Entre seus sucessos, destacam-se "Mister Samba", gravado por Alcione, e "Morena", por Gilberto Gil.

Em 1988, Cláudio Zoli gravou "Não dá pra entender" (c/ Cláudio Zoli e Ronaldo Santos).

No ano de 1991, participou do songbook de Noel Rosa, editado pela Lumiar, e lançou o disco "Cedo ou tarde", que contou com as participações de Ed Motta, Djavan, Marisa Monte, Luiz Melodia, Sandra de Sá, Karla Sabat e Cláudio Zoli e da banda Dancing Club, formada por ele na guitarra, Silvio da Costa na bateria, Jomar no baixo, Cássia Maria no piano e Júlio Gamarra na percussão.

Nesse LP, além de sucessos antigos regravados, constam também novas composições, com destaque para "Know-how".

Em 1998, foi lançada pela gravadora Universal a coletânea "Velhos camaradas" (Cassiano, Tim Maia e Hyldon), disco que reuniu alguns sucessos de cada um dos artistas.

No ano seguinte, sua composição "Férias", parceria com Índio, deu título ao disco de Cláudio Zoli lançado pela gravadora Trama.

No ano 2000, pela gravadara Dubas Música, foi lançada a coletânea "Coleções", com várias composições de sua autoria.

No ano seguinte, em comemoração aos 100 anos da RCA, a empresa relançou em CD parte de seu acervo, no qual estão incluídos os LPs "Imagem e som" e "Cuban soul".

A gravadora Dubas Música, do compositor Ronaldo Bastos, convidou Ed Motta para organizar uma nova coletânea de suas composições.

Os Racionais MC's o convidaram para participar do novo disco dos rappers paulistas, e a banda carioca Clave de Soul, em seu primeiro CD, "Dançar é bom", interpretou de sua autoria "Tá dando mole".

Entre suas intérpretes está Nana Caymmi que regravou "Primavera" (c/ Silvio Rochael).

Três discos, que estão fora de catálogo há vinte anos, serviram de matéria-prima para o CD Coleção, compilado pelo cantor Ed Motta. Desprezados pelas gravadoras que os lançaram anteriormente, eles são disputados a tapa em sebos.

A primeira e mais bem cuidada coletânea que se poderia ter desse mestre que nunca se conformou com a mentalidade mercantilista das grandes gravadoras. Numa embalagem digna e sedutora, com bela capa, letras, fichas técnicas e texto crítico-informativo (tem até uma apresentação em inglês), o músico reuniu faixas remasterizadas dos três discos fundamentais de Cassiano: Imagem e Som (1971, RCA), Apresentamos Nosso Cassiano (1973, Odeon) e sua obra-prima, Cuban Soul (1976, Polydor).

Os dois maiores sucessos do cantor, compositor e multinstrumentista (atividades que desempenha com a mesma desenvoltura) dizem presente: as baladas Coleção ("Sei que você gosta de brincar de amores/ Mas oh, comigo não!"), com sua construção harmônica das mais impressionantes e vocais celestiais, e A Lua e Eu, que está impressa nas mentes de todos que viveram os good times, das noites frias embaladas por radinhos de pilha.

Quem chega agora à obra de Cassiano irá se surpreender nesta coletânea com canções como Salve Essa Flor e Ana, gemas lapidadas que tiram da lama essa tão instituição tão banalizada que é a balada soul. São músicas imortais, tanto quanto a própria Primavera, com que Cassiano ajudou Tim Maia a começar sua carreira.

As músicas lentas são maioria nessa coletânea, mas não faltam bons balanços funk, como De Bar em Bar (que consegue ter uma estrutura intrincada sem perder o embalo) e Saia Dessa Fossa, que encerra o disco fazendo um convite impossível de se resistir.

Interessante em Coleção é conferir faixas do Imagem, o primeiro e raro disco de Cassiano, em que ele ainda tinha um padrão sonoro Motown anos 60, com uns vocais femininos meio Supremes e batida soul mais dançante. Mesmo assim, nas faixas É Isso Aí e Já, percebe-se claramente a evolução harmônica que ele imprimia ao gênero (simultaneamente ao que faria Marvin Gaye com o disco What’s Going On).

As surpresas se repetem a cada faixa. "Melissa", com violão e uma orquestra ricamente arranjada, é uma das mais belas músicas que um pai fez para uma filha.

"Hoje é Natal", com seu primor de arranjo, harmonia e vocais, absolve todos os cantores brasileiros do crime dos discos natalinos.

"Uma Lágrima" revela, na entonação, a infiltração bossa nova no trabalho do soulman. E "Casa de Pedra" traz psicodelia num alto nível de arrojo, mas sem cair na chatice dos progressivos.

E pensar que isso é só uma parte da obra do paraibano de Campina Grande... De qualquer forma, Cassiano é o rei.
Cassiano pertence à classe dos "penitentes do espírito" –expressão cunhada pelo crítico americano Bill Flanagan para definir os artistas que criam pérolas de suas experiências pessoais, sem nenhuma mediação.

A canção "A Lua e Eu", por exemplo, foi composta em 1973 depois de uma tremenda "fossa" causada pelo fim de um casamento. Outros clássicos do músico são "Primavera" e "Eu Amo Você", dois dos maiores sucessos da carreira do cantor Tim Maia.

Eles se conheceram nos anos 60, quando tentavam arranjar emprego numa agência especializada em exportar shows de mulatas.

Até a morte de Tim, em 1998, a amizade teve altos e baixos. Tim respeitava Cassiano a ponto de se recusar a cantar na frente dele – tinha medo de falhar e ser corrigido.

Por outro lado, 'passou a perna no amigo' em algumas ocasiões. Vários de seus discos têm a participação de Cassiano, que não ganhava nada por isso. "O Tim dizia que eu não me vendia por dinheiro e aproveitava para não me pagar", lembra o músico.

Cassiano mora num modesto apartamento no bairro carioca do Flamengo e vive dos direitos autorais de suas canções; e nunca se gravou tanto Cassiano. O grupo de pagode Pixote recriou o hit "A Lua e Eu"; a cantora Ivete Sangalo incluiu a música "Postal" em seu CD.

O cantor Cassiano sonha com uma volta aos discos, mesmo sabendo que é difícil competir com o pagode e a axé music. "A soul music é muito sofisticada para os dias de hoje", diz Cassiano. 

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