Tássia Reis poderia simplesmente ser definida pelas suas características artísticas, como compositora e cantora, e já seria suficiente para que se escutasse com atenção este segundo trabalho da artista nascida em Jacareí há 27 anos, que faz do hip hop sua arma contra e à favor do mundo. Mas ela é bem mais que isso – é uma usina criativa de convicções, em que seu discurso tão feminista quanto libertário (nas mais diversas vertentes, da intolerância à opressão emocional) dita canções sublimes, embaladas por sua doce voz em gêneros abertos, do rap ao reggae.
Tássia demorou a se entender artista. Durante a adolescência fez parte de grupos de dança urbana em Jacareí. Foi quando descobriu a Cultura Hip Hop e canalizou sua veia criativa para escrever dentro dos gêneros que este abrangia.
Estava tão acostumada a ouvir Clara Nunes por influência da mãe quanto Jackson 5 por influência do pai e os raps de Sabotage, RZO, Expressão Ativa e Racionais MCs por força do irmão. Sua caneta correu ligeira em textos que já vinham acompanhados de melodias, com propostas de harmonias e arranjos.
Foi assim que depois de se mudar para São Paulo, aos 20 anos, e concluir o curso de graduação em Moda, aceitou os elogios que sempre recebia por sua voz e colocou em estúdio na canção “Meu Rapjazz”. Era para ser parte de uma mixtape só de mulheres, que não vingou. Mas a canção serviu como trampolim para sua carreira.
Lançada na Internet, a aceitação foi imediata, o que levou a equipe que começou a acompanha-la a produzir um clipe para a música. No primeiro dia, ao chegar a 10 mil views, ela teve certeza que acertara. Tanto que exato um ano depois saiu seu primeiro EP, batizado com seu próprio nome.
Enquanto isso, sua participação em projetos foi crescendo. Foi convidada para cantar com Marcelo D2, gravou com Izzy Gordon, fez shows com a banda de jazzrap Mental Abstrato, foi para o universo das rimas femininas no projeto “Rimas e Melodias”, entrou para a discussão de gêneros que sempre propôs no “Salada de Frutas” e a posição política a levou a novas composições, que culminam neste “Outra Esfera”.
“Não é Proibido”, que abre o trabalho, narra a questão de limites, da cobra mordendo o próprio rabo quando você é tão limitado quanto a limitação que oferece ao outro. E reflete uma metalinguagem em camadas etéreas que tornam a música impossível de ser catalogada no limite de um gênero.
“Ouça-me” é um rap mais visceral que solta gritos presos na garganta, de opressões. Já “Desapegada” traz um clima mais suave e até jazzístico em discurso que fala do apego contemporâneo e da proposta do desapego ao tóxico.
“Semana Vem” contrabalança um texto de discurso abusivo em reggae doce. O trabalho já vira para um rap mais vigoroso, “Da Lama/Afrontamento”, onde Tássia se baseia no assassinato do irmão de uma amiga para refletir sobre o racismo estrutural brasileiro e na discriminação que culmina com situação tangente a genocídio da juventude negra.
O single do disco é “Se Avexe Não”, com sua reflexão de mágoas reservadas, opressões e oprimidos e liberação dessa somatização em um clima de soul music e doses de samba.
Fecha com “Perigo”, que é a abertura de comportas da canção anterior, da emotividade liberada e da vivência intensa.
Intensa talvez seja a palavra que define o trabalho. Intensa é “Outra Esfera”. Intensa é Tássia. Dentro de toda sua suavidade.
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