Pedro Paulo Soares (São Paulo, São Paulo, 1970). Rapper, compositor e líder dos Racionais MC’s. Cresce na zona sul de São Paulo, na região dos bairros Capão Redondo e Parque Santo Antônio. Filho de mãe negra e pai branco, é criado pela mãe, Ana Pereira Soares. Em 1986, ganha o apelido Brown nas rodas de samba, em que toca repique de mão e faz algumas batidas inspiradas no funk norte-americano. Os companheiros da roda, então, comparam-no a James Brown (1933-2006). Escreve a primeira letra de música aos 17 anos. A composição, “Terror da Vizinhança”, não é gravada. No mesmo período, frequenta o Metrô São Bento, onde acontecem os encontros entre os artistas de rap de São Paulo. Forma a dupla de rap BB Boys com o amigo de infância Paulo Eduardo Salvador (1970), o Ice Blue. Os BB Boys participam de alguns concursos e eventos e chamam a atenção do público, com suas letras que descrevem o cotidiano violento da periferia. Brown inspira-se em Thaíde (1967) e outros compositores que frequentam a São Bento (praça da estação de trem do metrô de São Paulo, ponto de encontro, nos anos 1980 e 1990, de jovens que se reúnem para dançar e fazer rap). Thaíde é um dos primeiros rappers brasileiros que ele vê cantar na televisão e que esboça uma crítica social em suas letras. Mano Brown inicia a transição para um discurso mais engajado.
Mano Brown e Ice Blue conhecem Edi Rock [Edivaldo Pereira Alves, (1970)] e KL Jay [Kleber Geraldo Lelis Simões (1969)] no fim dos anos 1980 e os quatro se juntam para formar os Racionais MC’s. A coletânea Consciência Black lança as primeiras músicas do grupo: “Pânico na Zona Sul” (de Mano Brown) e “Tempos Difíceis” (de Edi Rock). O grupo grava cinco discos: Holocausto Urbano (1990), Escolha Seu Caminho (1993), Raio X Brasil (1994), Sobrevivendo no Inferno (1997) e Nada Como Um Dia Após o Outro Dia (2002).
Mano Brown destaca-se como principal compositor e autor dos clássicos que marcam cada fase dos Racionais: “Pânico na Zona Sul”, “Fim de Semana no Parque” , “Capítulo 4, Versículo 3”, “Fórmula Mágica da Paz”, “Diário de um Detento”, em parceria com Jocenir Prado (1950), “Vida Loka”, “Eu Sou 157”, “Jesus Chorou” e, em parceria com Edi Rock, “Voz Ativa”, “Homem na Estrada”, “Negro Drama”.
Como produtor, participa dos discos Provérbios 13, do grupo 509-E, lançado em 2000, e Supernova Samba Funk, da Banda Black Rio, lançado em 2011.
Sem lançar disco com os Racionais desde 2002, Brown cria o coletivo Big Ben Bang Johnson, em 2009, com outros artistas de rap, como Ice Blue, Helião, Sandrão e DJ Cia (integrantes do grupo RZO), Dom Pixote e Du Bronx (integrantes do grupo Rosana Bronx). O grupo não tem formação nem repertório fixos e apresenta-se regularmente na noite paulistana.
Em 2010, Brown participa da gravação de uma versão da música “Umbabarauma”, de Jorge Ben Jor (1942), em uma ação promocional de material esportivo para a Copa do Mundo daquele ano. Dois anos depois, compõe “Mil Faces de um Homem Leal” (Marighella), para um documentário sobre o guerrilheiro Carlos Marighella (1911-1969), do diretor Silvio Tendler (1950).
Análise
Mano Brown é um dos artistas mais importantes do rap brasileiro, o que estabelece um estilo dentro do gênero. Suas letras registram a linguagem do jovem morador da periferia paulistana, no uso das gírias e vocabulário. É seguido por uma legião de fãs, que reconhecem nele uma voz que os representa na sociedade.
Suas letras retratam situações cotidianas da periferia paulistana e, muitas vezes, ele se coloca no papel dos personagens marginalizados nas músicas que canta. “Homem na Estrada” retrata a dificuldade de um ex-presidiário em retomar uma vida social digna. “Diário de Um Detento”, por sua vez, narra, em primeira pessoa, os acontecimentos referentes ao massacre do Carandiru, que resulta na morte de 111 presos, sob a ótica de um detento (Jocenir Prado, coautor da música). “Tô Ouvindo Alguém me Chamar” traz os conflitos morais de um traficante de drogas e “Artigo 157” é o relato do dia a dia de um assaltante.
A escrita detalhada, a presença de um narrador e a sequência cronológica fazem com que alguns de seus raps sejam comparados com as narrativas jornalística e cinematográfica. A fluência com que canta é reconhecida graças ao ritmo e harmonia, com divisões próprias e timbre de voz potente.
Seu estilo de compor, inicialmente, apresenta uma mensagem direta, com poucos versos, como o rap “Pânico na Zona Sul”, e influências do discurso do líder negro norte-americano Malcolm X (1925-1965), citado na letra de “Voz Ativa”:
Precisamos de um líder de crédito popular
Como Malcolm X em outros tempos foi na América
Que seja negro até os ossos, um dos nossos
E reconstrua nosso orgulho que foi feito em destroços.
A partir do disco Raio X Brasil, escreve letras mais longas e propõe que o ouvinte tire suas próprias conclusões sobre o significado delas. No disco Sobrevivendo no Inferno, em músicas como “Diário de um Detento” e “Tô Ouvindo Alguém me Chamar”, Brown narra experiências em primeira pessoa com letras ainda maiores. Em “Nada Como um Dia Após o Outro Dia”, o rapper segue fiel ao método detalhista, mas traz reflexões novas sobre o sucesso artístico e a aparência.
Depois do lançamento de Sobrevivendo no Inferno, Mano Brown reconhece essa diferença no processo criativo, em entrevista para a revista Caros Amigos. Afirma rejeitar músicas como “Pânico na Zona Sul” e “Voz Ativa” que, segundo ele, são “confusas”, compostas com receio do uso de gírias e palavrões que o distanciam do público.
O discurso e a postura do rapper mudam com o tempo. Nos primeiros anos de carreira, ele defende a atitude radical dos Racionais MC’s de fazer shows apenas para o público pobre e não conceder entrevistas à grande mídia. A partir dos anos 2000, ele abre exceções a veículos como a revista Rolling Stone Brasil (2009 e 2013), Jornal da Tarde (2006) e programas da TV Cultura, como Ensaio (2003) e Roda Viva (2007). Neste mesmo período, tornam-se mais comuns as apresentações do grupo em clubes de classe média e alta, pelo dinheiro pago nestas ocasiões. A gravação de “Umbabarauma”, promovida por uma grande marca de material esportivo, é justificada pelo cachê pago, além da oportunidade de gravar em parceria com seu ídolo, Jorge Ben Jor (1942).
A influência de Jorge Ben Jor é a mais marcante na obra de Mano Brown e reflete-se em sua vida pessoal. O nome de seus filhos são homenagem ao ídolo: Kaire Jorge e Domênica (Ben Jor tem uma música chamada “Domenica Domingava Num Domingo Linda Tôda de Branco”, gravada no disco Força Bruta, de 1970). Além disso, Ben Jor é citado na obra dos Racionais em outros momentos: versos dele são sampleados (extraídos e reeditados) no refrão de “Fim de Semana no Parque”; a música “Jorge da Capadócia” é regravada pelo grupo no disco Sobrevivendo no Inferno; e Ben Jor participa do primeiro DVD do grupo, Mil Tretas, Mil Trutas. No programa Ensaio, da TV Cultura, Brown cita também Benito di Paula (1941), Agepê (1942-1995), Roberto Ribeiro (1940-1996), Luiz Ayrão (1942) e Fundo de Quintal como referências. O grupo de rap norte-americano Public Enemy e o artista jamaicano Bob Marley (1945-1981) também são inspirações. Brown refere-se ao músico de reggae como “filho de pai branco e mãe negra, como eu. Era um cara que ficou rico morando dentro de uma favela”, em entrevista a Caros Amigos, em 1998.
As duas participações dos Racionais MC’s na Virada Cultural são marcadas por discursos de Mano Brown. Em 2007, antes do confronto entre público e polícia, ele tenta apaziguar os ânimos dos fãs. Dirige-se a um policial que, supostamente, abusa da violência durante o tumulto. Depois de seis anos afastado do evento, o grupo volta em 2013 em apresentação sem ocorrências policiais. Brown, no entanto, aproveita a ocasião para opinar sobre cenas que ele presencia na madrugada anterior:
Estive ontem de noite aqui, sou da rua, vi muita covardia no centro. Todo mundo fala da polícia, do sistema, mas eu vi vários malucos roubando. [...] O que eu vi ontem tá longe de ser evolução. O rap precisa de gente de caráter, não de malandrão.
Episódios como esse ilustram o papel de liderança que Mano Brown exerce entre seu público.
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